O cheiro de café
fresco invadia minha narina e me fazia lembrar de quando minhas mãe
acordava cedo para preparar o café da manhã para mim e para meu
pai. Não sei bem quem o estava fazendo no momento, mas tinha certeza
que não poderia ser minha mãe e nem meu pai, pois ambos estavam
mortos fazia anos.
Fecho os olhos
permitindo-me voltar no tempo por alguns instantes. Vejo o sorriso
caloroso da minha mãe e automaticamente meus lábios se abrem em um
sorriso prazeroso. Seus cabelos castanhos caem como cascatas por suas
costas e ela se reclina para beijar minha testa carinhosamente como
sempre fizera.
O barulho vindo da
cozinha me faz voltar ao presente e sair de meus devaneios
imediatamente. Sinto uma lágrima escorrendo pelo meu rosto e
suspiro. “O que aconteceu na noite passada?” me pergunto em
pensamento. Quase que instantaneamente flashes dos acontecimentos da
noite surgem em minha mente.
— Preciso parar de
beber. — resmungo espreguiçando meu corpo.
Levanto da cama indo
até meu banheiro e me olho no espelho. Estou um caco. Meu rosto está
pálido e amassado, meu cabelo está embolado e para ser sincera
pareço ter sido atropelada por um caminhão. Xingo baixinho e abro a
torneira colocando minhas mãos em concha embaixo da água. Jogo a
água gelada em meu rosto para despertar mais rápido e escovo meus
dentes. Volto para meu quarto e fico protelando se devo descobrir
quem trouxe para passar a noite em casa ou se finjo não saber que
havia mais alguém na casa. De qualquer maneira terei que me livrar
do estranho que está em minha cozinha fazendo café da amanhã e não
conheço maneira melhor do que ser direta e dizer que a noite passada
foi um erro.
Sem querer perder a
coragem saio do quarto indo até a cozinha, onde um homem de uns 26
anos está parado apreciando a vista da varanda dos fundos, o que faz
com que ele esteja de costas para mim. Ele veste apenas uma calça
jeans sem camisa. Mesmo de costas dá pra ver que seu corpo é bem
definido. Balanço a cabeça para me livrar das imagens que começam
a invadir minha cabeça e pigarreio para chamar sua atenção.
O homem se vira.
Está com uma caneca de café na mão e ao me ver esboça um sorriso
que diria no mínimo encantado. Não gosto da forma como ele sorri e
isso faz meu estômago se revirar. Tento parecer simpática e lhe
digo bom dia enquanto me sento à mesa e me sirvo de um pouco de
café. Antes de começar a falar tomo um longo gole que desce bem
quente por minha garganta esquentando todo o meu corpo. Vejo-o se
sentar em minha frente e dou um longo suspiro.
E então começo com
meu discurso. Digo que não lembro de muito da noite passada e que
não sou o tipo de mulher que sempre traz homens que conheceu na
balada para casa. Ele concorda como se me conhecesse e diz que eu não
deveria me sentir mal por ter gostado tanto dele que resolvi dormir
com ele, pois ele também gostou de mim. Reviro os olhos com tais
palavras e faço um esforço para não deixar de ser simpática.
Volto a falar só que dessa vez sem fazer muita questão de me
importar com sua opinião.
Lhe digo que a noite
passada fora um erro e que não iria se repetir, então ele pergunta
porque. Exasperada reviro os olhos novamente e suspiro. Explico que
eu estava bêbada e por isso fiquei com ele e ainda o trouxe para
minha casa, depois digo-lhe para terminar o café se vestir e sair,
pois amigos meus estavam vindo e eu não queria contar-lhes sobre o
que havia feito na noite anterior. Perplexo ele apenas deixa a caneca
na mesa, volta ao meu quarto e veste a camisa. Sem dizer uma palavra
ele sai pela porta da sala. Posso dizer que saiu porque consigo
escutar a porta abrir e fechar com certa força.
Finalmente respiro
aliviada deixando meus pensamentos vagarem para uma época em que eu
não era essa mulher que sai, enche a cara, leva um desconhecido para
casa e depois o expulsa no dia seguinte como se tudo fosse apenas
parte da rotina. Eu era alguém melhor e talvez me arrependa por ter
mudado.
Mas a verdade é que
quando a alma de uma pessoa está muito danificada pelos sofrimentos
do passado ela muda, é inevitável. Algumas pessoas se tornam frias
com o tempo, outras passam a beber para esquecer o passado e algumas
— como eu — simplesmente passam a fingir que não tem problema
nenhum na vida, mas continuam sentindo-se vazias o tempo inteiro.
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